segunda-feira, 30 de março de 2009

Ulysses, minha canoa

Poderia dizer que meu barco se chamará "Ulysses" em homenagem ao grande herói grego da Odisséia de Homero. Seria um nome forte e expressivo.

Poderia relacionar minhas aventuras às fantásticas provações por que passou Ulysses em sua viagem de retorno a Ítaca. Seria uma metáfora incrível!

Poderia mesmo imaginar que minhas dificuldades serão grandes o bastante para associá-las aos perigos enfrentados por Ulysses. Uma comparação enriquecedora...

Mas o motivo que me leva a batizar minha canoa de "Ulysses" é outro: o nome de meu pai! Ulysses teria sido um homem comum, não fosse seu caráter irrepreensível, sua generosidade desinteressada, sua paixão pelos seus filhos e por sua mulher, sua vida impecável, singela e edificante.
Meu pai foi meu grande referencial nesta vida e continua sendo meu Norte e destino. Sem ele eu não seria ninguém, ou talvez tivesse trilhado outros caminhos e me desviado da senda da Justiça e do Bem.
Ele não escreveu nenhum livro, mas deixou milhares de páginas escritas em minha memória... suas palavras sempre foram altruistas, idealizadas para converter pensamentos, para gerar ações positivas, para produzir efeitos duradouros nas almas que tiveram o privilégio de conhecê-lo.
Ulysses foi uma unanimidade... dizem que a unanimidade é burra, mas não neste caso! Ninguém que o tenha conhecido poderia ter um pensamento mau para esse Homem essencialmente bom.
Quando eu remar "Ulysses" terei a companhia de meu pai. Foi ele quem me ensinou a remar, ainda jovem; era uma canoa pequena, uma catraia daquelas em que os remos são fixos no centro do barco, fáceis de manobrar. Remávamos contra a correnteza, no rio Pardo e, quando nos cansávamos, deixávamos o barco voltar lentamente, sentindo a brisa, ouvindo os pássaros, deixando o pensamento voar para bem longe até o limite da imaginação.
Quando estiver cansado, em minha longa jornada, eu me lembrarei que ele, o meu pai, trabalhou dos doze aos setenta e oito anos de idade, incansavelmente... e nunca se queixou de nada, nem de uma dor sequer!
Quando me sentir solitário, eu me lembrarei de meu pai, que perdeu sua mãe aos dois anos e seu pai aos seis, vivendo com sua tia em uma pensão simples do interior.
Quando minhas forças me abandonarem, em me lembrarei daquele que dedicou cada esforço de sua vida para nos dar conforto, segurança e oportunidades de aprender, mesmo quando suas próprias forças já o tinham abandonado... e ele, mesmo assim, perseverou até o fim.
Por isso, meu barco se chamará "Ulysses", nome de meu pai, meu companheiro, meu amigo, meu grande mestre, a quem dedico a minha própria vida!

Esse texto fará parte do livro "Meu Velho Chico", a ser publicado ao final da expedição.

domingo, 15 de março de 2009

Metáfora da Vida

"Nascer, viver, morrer... renascer, ainda, e progredir continuamente... essa é a lei..." (Alan Kardec)

Parece que nossos destinos estão traçados pelo inexorável propósito do Universo em nos transformar...
Camões manifesta assim seu sentimento:

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o Ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades."

"Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal, ficam as mágoas na lembrança;
E do bem, se algum houve, as saudades."

"O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E, em mim, converte em choro o doce canto."

"E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda mais como soía."

Existe uma metáfora perfeita para essa efêmera existência humana: os rios! Eles nascem, crescem pelo agregar de novas energias trazidas pelos seus afluentes, amadurecem e sofrem como os seres vivos, arrastam-se pelo espaço e pelo tempo, envelhecem e morrem, ao desaguar em outro rio ou no oceano, desaparecendo definitivamente...
Não importa a dimensão dessa existência: um pequeno córrego, um riacho, ou um gigante como o São Francisco, todos terão o mesmo destino, assim como nós, simples mortais, conscientes de nosso devir...
Mas toda vida tem um início que nunca se repetirá, uma trajetória que não pode ser reformulada, e um final que marcará sua passagem pela Terra... nem mesmo sabemos se alguma coisa restará desse rastro que deixou nossa jornada... um espírito? uma alma? uma evolução, ao menos, registrando nossa presença no Universo?
Para os rios, o tempo só pode ser dimensionado pelo fluir de suas águas, palas transformações que se processam em sua trajetória, pelos impactos que causará ao longo do caminho, nas vidas que dele dependem, nas rochas e solos que o sustentam, nos efeitos que causam no ecossistema, que vive em função dessa presença quase eterna para os limitados valores humanos...
No entanto, para os rios, lá está, permanente, seu passado, seu presente e seu futuro... na nascente, é apenas um embrião, um feto, uma criança que se forma e vem à luz, pura e cristalina... no seu curso está a experiência, os fatos que o transformam e que constroem sua identidade, única a cada momento; na degradação, na interferência humana, seu crescimento, seu envelhescimento, o seu destino, enfim... e na foz está selado o seu ocaso...
Mas, ao contrário dos seres vivos, o rio nasce e morre a cada instante, simultaneamente, em todo o seu existir, refazendo a história, conforme às transformações que se processam ao seu redor... e essa história não se repetirá nunca, mesmo que seu nascimento e morte sejam eternos, e seu curso e sua morte ocorram incessantemente...
Seria essa a razão do existir?

quinta-feira, 5 de março de 2009

Razões do Existir

Quando nos deparamos com um mistério, um obstáculo intransponível à nossa lógica e entendimento, nossa insaciável necessidade pela compreensão nos compele a recorrer às divindades, justificando o lapso de conhecimento que nos constrange e sufoca.

Mesmo diante da grandiosidade do Universo, da beleza incomensurável da Natureza e dos sentimentos altruístas que nos acometem eventualmente, buscamos no esotérico, no místico, no religioso, no eterno, a explicação das razões do existir.

No entanto, nossa pequenez não permite constatar a contradição que nos acomete e cega: ao mesmo tempo em que nos surpreende e extasia a percepção sensorial do Belo, através dos olhos, ouvidos e pele, com nossas próprias mãos, ferramentas e invenções o destruímos, contaminamos com nossos dejetos, corrompemos com atos, condenamos com omissões e covardias...

A existência de cada indivíduo, que mal ultrapassa um século, nos impõe os limites do tempo e espaço... o infinito é incompreensível! A existência do homo sapiens, que não chega a 10.000 séculos, nos credita a convicção de superioridade diante da Vida... A existência do Universo, a partir do Big Bang, que supomos não ultrapassar os 40 milhões de séculos, nos leva à indagação: mas, e antes disso, o que existiria?

E a resposta confortável fornece-nos a Bíblia: "no Princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus!"... e por uma palavra de Deus, o Universo se formou, e o dia se separou da noite, e a terra se separou das águas, e os seres vivos se diferenciaram da matéria inerte...

E tudo se resolve em nossas mentes... e, ainda que o Ser Humano venha a desaparecer da face da Terra, seja por uma fatalidade dos transtornos climáticos, seja por sua ação maléfica e daninha sobre a Natureza e sobre si mesmo, ainda assim, em outros planetas, haverá a Vida, que se perpetuará pela transformação e evolução natural, gerando ou não seres conscientes de si mesmos, sendo bela por si mesma, ainda que não percebida por ninguém, ainda que não tocada, não vista, não declamada em versos...

E, no entanto, na pequenez de nós mesmos, estaremos a acreditar que a Beleza existe apenas porque nossos sentidos a tornam assim... e que o Universo foi criado apenas para que nós, reles seres humanos, vermes cósmicos imperceptíveis, consumíssemos seus recursos, impunemente, ao nosso bel-prazer! E que, por isso, somos eternos!

Minha missão, consciente de minha insignificância no concerto do Universo, será a de tão-somente declarar minha gratidão por existir, de dedicar a vida que me resta a lutar pela preservação da Natureza, por ser capaz de perceber tanta beleza e poder compartilhar, em palavras e atos, meus sentimentos com vocês...

quarta-feira, 4 de março de 2009

Solidariedade

Faltam apenas 90 dias para minha aventura e a ficha ainda não caiu completamente... estarei só, em uma canoa por horas sem fim; alguns trechos com mais de 10 dias entre as cidades, dependendo exclusivamente de meus recursos... em contato com a Natureza no que ela tem de mais selvagem e remoto... que experiência fantástica me espera!

Já quase não consigo dormir, tamanha é a expectativa de estar no rio, remando horas a fio, na imensidão das águas de um dos maiores rios nacionais, sem imaginar o que me espera a cada curva, sem saber onde irei pernoitar, como irei me relacionar com esse "eu" que se oculta na algazarra das cidades, sozinho com meus pensamentos...

À noite, olhando para o céu, milhões de estrelas iluminarão minha barraca, sons os mais diversos, em uma sinfonia natural de animais desconhecidos, na música que se cria a cada instante... pura meditação... êxtase profundo e irreversível...

E a rotina se repetindo 120 vezes: acordar com a luz do sol, desfazer o acampamento, fazer a refeição matinal, montar o barco, fazer alongamento e seguir viagem... remar por duas horas, procurar um abrigo, fazer um lanche rápido e seguir viagem... mais duas horas e o almoço, repetição do lanche, um breve descanso e seguir viagem... mais duas horas e o lanche da tarde, sementes, frutas desidratadas, um pedaço de pão e queijo e seguir viagem... ao pôr-do-sol procurar abrigo, recolher a canoa, montar acampamento, fazer o jantar, escrever meu diário, arrumar a cozinha e adormecer...

No dia seguinte buscar a motivação para prosseguir, sem esmorecer, sem perder a consciência dos objetivos da viagem, registrando cada cena na memória, nas fotos, na filmagem dos acontecimentos que tecerão a trama de minha vida por três meses!

E estar preparado para plantar uma semente de umbuzeiro em cada parada... e motivado para fazer palestras, dar entrevistas, colher assinaturas em meu manifesto em cada cidade visitada, observando as faces, perscrutando as mentes dos seres simples, captando as tênues idiossincrasias de um povo que se oculta nos sertões desse país...

Esse é o meu sentimento de solidariedade para com esse povo esquecido de todos nós...

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