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quarta-feira, 6 de junho de 2012

Aspectos do novo Código Florestal podem ser considerados inconstitucionais

crédito de imagem: painelflorestal.com.br

Por Raquel Júnia - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)Movimentos e instituições socioambientais estudam estratégias para continuar a batalha contra o novo Código Florestal após decepção com vetos da presidente Dilma.

Os 12 vetos que a presidente Dilma fez ao projeto de lei do Código Florestal e a Medida Provisória que editou complementando o novo código agravam, na opinião dos movimentos sociais e ambientalistas, a impunidade para os desmatadores. Nesta semana, manifestos e notas de protestos foram publicadas por diversas entidades. Reunidas no Comitê Brasileiro em Defesa das Florestas, ONGs como SOS Mata Atlântica, Greenpeace, Instituto Socioambiental e movimentos como a Via Campesina, além de CUT, OAB e CNBB foram taxativos na crítica ao governo: vetos e MP mantém a situação de anistia aos desmatadores e não protegem o meio ambiente brasileiro. Apesar da pressão, a presidente desconsiderou a campanha Veta tudo, Dilma, que de acordo com os movimentos, continuará fazendo ações para tentar impedir a promulgação de um novo código florestal muito piorado em relação ao que se encontra em vigor.

De acordo com o consultor da SOS Mata Atlântica e assessor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Lima, os movimentos que se aglutinaram em torno do Veta tudo, Dilma estão pensando em estratégias para continuarem a mobilização. “Queremos aproveitar essa onda de mobilização para que a sociedade continue de olho no processo de votação da Medida Provisória. Outro elemento importante é a possibilidade de uma ação de inconstitucionalidade em relação a alguns aspectos graves do texto que está em vigor. E ainda outro elemento é uma resposta da sociedade na Rio+20. Essa conta não pode ficar barata, o governo não pode sair ileso ao ter assumido uma postura parcial neste debate e a Rio+20 será um momento de cobrança dessa postura”, diz.

Segundo André, o novo Código pode ser considerado inconstitucional nos aspectos que significam redução das áreas de preservação permanente. “Essa redução de proteção das áreas de preservação permanente, principalmente porque não há justificativa, ou pior, contrariando justificativa técnica e científica, em nossa visão é um aspecto vulnerável e que traz não só insegurança jurídica como contraria aspectos constitucionais. Outro aspecto que pode ser questionado também é o fato que a lei beneficia quem descumpriu a lei anterior e não traz nenhum benefício concreto para aquele que cumpriu a lei, fez a lição de casa”, explica. “A lei é desproporcional, desarrazoada, e fere princípios básicos como a equidade, isonomia, razoabilidade, proporcionalidade, precaução, que são princípios do direito público e constitucional que na nossa visão cabem ser arguidos perante o Supremo Tribunal Federal”, acrescenta. O advogado fala que os movimentos estão analisando que instituição tem mais legitimidade para mover esta Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) junto ao STF.

Anistia

Ao contrário do que afirmam os movimentos sociais, o governo têm dito que o novo código não anistia desmatadores. Mas, para André Lima, do ponto de vista técnico-jurídico é bem evidente a ausência de punição a quem descumpriu a lei ambiental. “Há anistias, e não são poucas. A anistia é o ato de perdoar uma obrigação em vida e essa obrigação não é somente multa, mas também de recuperar integralmente as áreas que foram degradadas ou desmatadas integralmente. Então, quando o governo reduz de 500 para 100 metros uma área de preservação permanente, ele está anistiando 400 metros de área que foram degradas contra a lei. Há mais de uma dezena de outros exemplos em que o governo está reduzindo a obrigação de recuperar o que foi desmatado ilegalmente”, detalha. Ele lembra que desde 1998 vigora uma lei de crimes de infrações contra o meio ambiente que diz que desmatar área de preservação permanente é crime.

André pondera que o governo recuperou com os vetos alguns dos problemas decorrentes da segunda votação na Câmara dos Deputados. Mas,segundo ele, a comparação deve ser feita em relação à lei em vigor. “A lei que está em vigor hoje, por exemplo, estabelece que para os rios menores e vulneráveis e inclusive para os rios e nascentes que são considerados intermitentes, que em determinado período do ano estão secos e depois voltam a jorrar água, a área de preservação mínima é de 30 metros. A medida provisória reduz isso para até cinco metros, isso nem a pior votação da Câmara dos Deputados aprovou. Isso é uma novidade trazida pela presidente Dilma”, afirma. O assessor observa que a justificativa do governo para a medida é beneficiar os pequenos proprietários.

Entretanto, ele acredita que, com essa flexibilização, os médios e grandes proprietários também pressionarão para que a possibilidade seja estendida para eles. “Se o governo perdeu uma vez a votação na Câmara com o relatório do Aldo [Rebelo, PCdoB-SP], perdeu uma segunda vez com o relatório do Piau [Paulo Piau, PMDB-MG], quem nos garante que não perderá novamente e essas novidades todas criadas para beneficiar os pequenos não serão estendidas aos grandes e médios? Estes setores mostraram por duas vezes na Câmara que tem poder de fogo nessas votações”.

Outro risco, de acordo com André, é a Medida Provisória ser piorada pelo Congresso. Ele lembra que a votação será adiada para depois da Rio+20, quando o Brasil não estará mais tanto “na vitrine” como hoje. E, além disso, com a proximidade das eleições municipais, a governabilidade no Congresso pode ser abalada. Para o assessor, este é o pior cenário desde o início da tramitação do novo código.

Com os vetos e a Medida Provisória a presidente mostra, de acordo com as organizações em torno da consigna Veta tudo, Dilma, a fragilidade do tema ambiental dentro do próprio governo. “Por um lado o governo está pagando as contas com essa aliança com o PMDB, que é o principal ninho dos ruralistas no Congresso. Não por acaso o ministro da agricultura é deles. E sabemos também que no DNA desse governo, a questão ambiental está na periferia. Estes dois aspectos se desdobram no Congresso, temos uma parte importante da bancada do PT favorável aos questionamentos que estamos fazendo, mas é ainda é pouco, porque há uma oposição que em sua maioria é ligada aos setores mais tradicionais da economia e foram beneficiados por esse código florestal. Por exemplo, o setor da carcinicultura [cultivo de camarão] não vai enfrentar o código porque foram beneficiados, o setor das florestas plantadas também não fará o enfrentamento porque para eles está bom como está, poderão plantar em topo de morro, em terrenos com alta declividade. Então, todos esses setores não farão o enfrentamento”, analisa.

Fonte: www.ihu.unisinos.br

Dominada por ruralistas, comissão da MP do Código Florestal é instalada






O Congresso Nacional instalou nesta terça-feira, 5, a comissão mista da Medida Provisória que trata do Novo Código Florestal com uma composição fortemente ruralista. Apesar da instalação, a expectativa é de que o relatório da proposta só seja apresentado pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC) depois da Rio+20, conferência da Organização das Nações Unidas que debaterá o desenvolvimento sustentável. O evento acontece no Rio de Janeiro de 13 a 22 de junho. A proposta recebeu 620 emendas.

Deputados da bancada ruralista mostraram força na instalação dos trabalhos. Eles atrasaram por quase uma hora o início da reunião até obter do relator o compromisso de só começar a discutir o cronograma de votação na próxima terça-feira, dia 12. O objetivo é justamente fazer o debate sobre o tema polêmico sem a pressão do evento internacional.

“Esse grande número de emendas mostra o tamanho da discussão que vamos ter aqui e isso só vai ser feito depois da Rio+20, isso já está claro”, disse o deputado Lira Maia (DEM-PA), um dos que só assinou a lista de presença depois da negociação.

Um dos raros ambientalistas da comissão, o deputado Sarney Filho (PV-MA) criticou a composição. Ele destacou que a bancada ruralista apresentou diversas emendas para retomar partes do texto vetado pela presidente Dilma Rousseff. Ele responsabilizou os líderes pela prevalência ruralista na comissão e disse que somente uma atuação forte do governo pode evitar que o Congresso piore o projeto.

 

“Pela representatividade numérica que temos aqui o projeto pode piorar. A responsabilidade é dos líderes partidários que não tiveram a capacidade de indicar pessoas moderadas. Agora o governo vai ter que assumir sua posição, caso contrário o retrocesso está garantido”, disse o deputado do PV.

Dos 13 deputados titulares na comissão, 10 votaram para derrubar o texto do Senado sobre o código, que é basicamente o que a presidente reintroduziu por MP. No Senado, pelo menos 7 dos 13 membros são membros formais da Frente Parlamentar Agropecuária. “Dentro do Congresso o meio ambiente é minoria, falta voto”, admite o senador Jorge Viana (PT-AC). Com essa correlação de forças, a comissão vai virar uma tentativa de ruralistas das duas casas fecharem um acordo.

O relator, senador Luiz Henrique (PMDB-SC), destacou que apesar das centenas de emendas a maioria dos parlamentares tem defendido “ajustes” e não mudanças completas na MP. Indicado como revisor e para relatar o projeto na Câmara, o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP) destaca que com a comissão mista as duas Casas estão obrigadas a buscar um consenso. “O Brasil amadureceu muito nessa discussão e agora temos um tema antigo com uma dinâmica e um procedimento novo. Temos agora de buscar um equilíbrio e deixar fora daqui os radicalismos.”

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Perfídia contra o Código Florestal


Autor(es): José Eli da Veiga
Valor Econômico - 15/05/2012
 Fonte: Clipping do MPOG
Qual será o limite de desfaçatez dos que sonham com uma lei que legitime os desmatamentos criminosos dos últimos 12 anos e ainda torne desprotegidas as áreas úmidas, os manguezais, as margens dos rios, as encostas e os topos de morro?
Agora se valem de reles blefe para chantagear a presidente Dilma: aumento dos preços alimentares decorrente de diminuição da área cultivada, caso não seja sancionado o projeto da Câmara que revoga o Código Florestal. Essa é a síntese da ameaça publicada na "Folha de São Paulo" de 12/05 pela presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu (PSD/TO).
Bazófia cabalmente desmentida pelas projeções do próprio agronegócio: o "Outlook Brasil 2022", feito em parceria do Departamento de Agronegócio da FIESP (Deagro) com o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone).
A área necessária para expandir a produção de grãos até 2022 não chega a 3% do espaço coberto por capim
Até 2022 a produção de grãos terá crescido quase 30%, com aumento da área plantada de quase 16%. Isso significa que será necessário acrescentar uns 6,2 milhões de hectares aos atuais 39,2 milhões, para que nos próximos dez anos a produção de grãos seja 30% maior que a atual.
Segundo a senadora, seria a obtenção desses 6,2 milhões de hectares que impediria a observância de boas normas de conservação. Como se por aqui houvesse um impasse que obrigaria a nação a sacrificar seu meio ambiente em razão da incontornável necessidade de produzir comida barata.
Falando sério: qualquer vestibulando sabe que a expansão da agricultura se faz por incorporação de terras antes destinadas a pastagens. E esses 6,2 milhões de hectares não chegam a 3% da imensa área coberta por capim, que já ultrapassa 211 milhões de hectares.
É intrigante que se recorra a tão pífio estratagema para tentar defender o indefensável: o "maluco" projeto aprovado na Câmara em 25 de abril. O que mais interessa, contudo, é a real motivação da sanha da CNA contra as áreas de preservação permanente (APP), já que em nada dificultam a expansão agrícola.
A ocupação territorial deste país vem sendo feita por um esquema de desmatamento, queimada e capim que atropela todas as precauções intrínsecas ao cuidado de se manter as APP. Se passar o projeto da Câmara, essas terras terão imediato salto de valorização patrimonial, apesar de todos os riscos de erosão dos solos e assoreamento de rios. Se, ao contrário, a sociedade brasileira exigir a reversão de tão trágico malfeito, os valores desses domínios terão que embutir os custos da indispensável recomposição da vegetação nativa em APP. Principalmente no Centro-Oeste e no Norte, mas também no oeste da Bahia e no sul do Maranhão e do Piauí.
Como esses grandes interesses especulativos são menos confessáveis, foi montada uma campanha política para tentar vender a ideia de que "o grande prejudicado é quem se esforça para produzir "alimentos melhores e mais baratos". E como também não faltam exemplos de verdadeiros agricultores que, por outras razões, enfrentam dificuldades com a legislação em vigor, são eles que servem de biombo para uma gigantesca operação no mercado imobiliário rural.
É isso que permite entender a geografia da votação de 25 de abril. Aprovado com 100% dos votos das bancadas de Tocantins e de Mato Grosso, ou com mais de 85% dos votos das de Rondônia, Goiás e Roraima, o relatório dos especuladores foi rejeitado pelas bancadas de São Paulo (41 a 26) e do Rio de Janeiro (25 a 15).
Apesar de ter sido cavalo da batalha intragovernamental do PMDB contra o PT, o projeto só obteve 274 votos favoráveis, pouco mais de 50%. E menos de 50% pelo critério do número de eleitores que botaram os atuais deputados na Câmara. Pior: essa é a casa com maior déficit democrático, como demonstrou ontem (14/05) Renato Janine Ribeiro em sua coluna no Valor (A10).
Caso típico, portanto, em que a democracia requer veto presidencial. E como ele tende a ser integral (ou quase), multiplicam-se as iniciativas para preencher o vazio. Algumas certamente tentarão corrigir três sérios deslizes cometidos pelo Senado.
Não é possível ignorar que a Lei de Crimes Ambientais (9.605, de 12/02/1998) está regulamentada desde 1999. Posteriores desmatamentos de APP foram crimes dolosos que, se perdoados, configurariam mais indulto que anistia. A escolha de julho de 2008 para demarcar o passivo é uma mesquinha vingança contra a regulamentação específica do governo Lula.
Se houver excepcionalidade para os chamados "pequenos produtores", não se deve usar a figura do imóvel rural (com área de até tantos módulos), porque não há qualquer correspondência entre propriedade (imóvel) e empreendimento (estabelecimento). Deve prevalecer a Lei da Agricultura Familiar (11.326, de 24/07/2006), cujos critérios impedem que imóvel voltado à especulação fundiária seja tomado como se fosse dedicado à agricultura de pequena escala.
Terceiro, mas não menos importante: é preciso banir pastagem em APP, pois não há pior atentado ao beabá do conhecimento agronômico.
José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Código Florestal do Piau


O relator Deputado Paulo Piau do PMDB de Minas Gerais (principal partido da base do governo Dilma) escreve com destaque em seu parecer que se orgulha do trabalho na Câmara dos Deputados (relatório do Deputado Aldo Rebelo). Essa sincera opinião de deputado reflete-se concretamente nas alterações por ele propostas em seu parecer no texto do Senado.

O relatório do Deputado Piau nos leva a concluir duas coisas (não excludentes). Ou a bancada ruralista perdeu totalmente a noção dos limites (o céu é o limite) e está se sentindo muito a vontade, jogando no seu próprio campo, e pretende impor uma derrota antológica ao governo (do PT) com vitória do governo do PMDB; ou, o que é mais provável, trata-se de um jogo de cena perfeitamente combinado (como disse Marina Silva, um perfeito telequete) entre a bancada ruralista e o Palácio do Planalto. Tal jogo de cena se materializará em uma disputa de cartas marcadas no Plenário na Câmara entre apoiadores do (suposto) acordo do Senado versus a bancada ruralista da Câmara. Ou ainda pior, as duas hipóteses, jogo de cena, no seu próprio campo. Na peleja encenada, o Governo derruba (p.ex.) 80% dos absurdos propostos pelo deputado Piau e a Presidenta Dilma vetaria um ou outro absurdo que eventualmente passar no Plenário da Câmara.

O governo tentará, com isso, minimizar o risco de um grande constrangimento para a presidenta na Rio+20, ao sancionar o texto do Senado piorado, sob a alegação, já vocalizada por líderes do governo depois da votação no Senado, de que foi o possível considerando a correlação de forças no parlamento.

O relatório do Deputado Paulo Piau, membro da base de apoio do Governo Dilma, consegue a façanha de unir o que tem de pior das duas versões já aprovadas, pela Câmara e pelo Senado, inclusive suprimindo os poucos e insuficientes avanços ambientais introduzidos quase a fórceps no texto do Senado.

Cabe-nos denunciar esse evidente jogo de cena (cujo roteiro e atores principais podem variar no dia do ato) e trabalhar pela rejeição in totum do relatório do Deputado Piau na próxima 3ª feira (24) se realmente for a votação. Infelizmente, com esse telequete do código florestal, o Brasil põe em risco sua condição de líder destacado nas negociações relevantes em torno da agenda socioambiental global.

No mérito seguem abaixo os principais problemas do relatório do Piau que reforçam a idéia do jogo de cena em campo “alheio”:
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Análise / parecer do Relator Deputado Federal Paulo Piau para o código florestal

1. O relator rejeita o artigo primeiro do texto aprovado pelo Senado que apesar de ser apenas principiológico (não estabelece obrigações), define uma série de princípios que caracterizam o código florestal como uma lei ambiental. Ao rejeitar esse dispositivo, o relator reforça a tese de que o Congresso está transformando o código florestal em uma lei de consolidação de atividades agropecuárias ilegais, ou uma lei de anistia.

2. O relator resgata o conceito original, incerto e genérico (da versão da Câmara) de pousio (art.3º XI). Na prática essa alteração significa a consolidação de desmatamentos ilegais posteriores a 2008 que serão caracterizados como áreas em pousio e vai permitir ainda novos desmatamentos legais em propriedades com áreas abandonadas, o que hoje é vedado pela Lei vigente.

3. O novo relatório propõe, ainda, - o que é coerente com a alteração referida no item 2-, a exclusão do conceito de áreas abandonadas ou sub-utilizadas previsto no artigo 3º,  inciso XX, do texto do Senado. Isso pode comprometer o próprio Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono), cujo objetivo é criar incentivos à redução de emissões do setor agropecuário mediante o resgate dessas áreas para a produção. Cai um instrumento legal de pressão por recuperação e otimização produtiva de áreas hoje sub-utilizadas ou abandonadas na medida em que poderão ser abertas novas áreas de vegetação nativa nessas propriedades.

4. O relatório dispensa a proteção de 50 metros no entorno de veredas o que significa não somente a consolidação de ocupações feitas nessas áreas como inclusive novos desmatamentos, pois deixa de existir uma faixa de proteção das veredas, sendo somente as veredas consideradas área de preservação. É como se o relator definisse somente a nascente como área de preservação e dispensasse a faixa no entorno dessa nascente como de preservação permanente. Para o bioma Cerrado, o mais ameaçado hoje pela expansão indiscriminada da agricultura, essa exclusão dos 50 metros de faixa de proteção significa a condenação das veredas.

Esta lista de problemas analisa apenas as novidades contidas no relatório do Deputado Piau. P/ os principais problemas do relatório do Senado, que foram recepcionados pelo relatório do dep. Piau veja link na nota de roda-pé anterior.

5 . O relator suprime APP de reservatório natural com menos de 1 ha (art. 4º, §4º). Retoma a redação da Câmara o que significa acabar com APP nesses reservatórios (altamente vulneráveis) sob o argumento de que muitos deixam de existir em função das longas estiagens.

6. O Dep. Piau aumenta as possibilidades legais de novos desmatamentos em APP ao excluir (§6º do artigo 4º) a restrição para novos desmatamentos nos casos de aqüicultura em imóveis com até 15 Módulos fiscais (na Amazônia, propriedades com até 1500ha).

7. O relatório amplia de forma indiscriminada a possibilidade de ocupação nos manguezais ao manter a separação dos Apicuns e Salgados e delegar o poder de ampliar as áreas de uso aos Zoneamentos, sem qualquer restrição e manter somente os §§ 5º e 6º do art. 12.

8. No art. 16, o relatório retoma o § 3º do texto da Câmara para deixar claro que no cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual de Reserva Legal todas as modalidades de cumprimento são válidas: além da regeneração e da recomposição, também a compensação que poderá ser feita em outros estados.

9. O relatório exclui critérios técnicos para manejo florestal facilitando a “supressão de árvores” em propriedades rurais. Isso significa estímulo à degradação florestal em RL (com a alteração do artigo 23).

10. Ao suprimir o parágrafo 10 do artigo 42 o relator propõe que incentivos inclusive econômicos inclusive com recursos públicos possam ser investidos para proprietário que desmatou ilegalmente depois de julho de 2008. Instituição da corrupção ambiental. O crime passa a compensar de fato com estimulo de governo.  

11. Ao suprimir o artigo 43 do Senado o relatório elimina um dos poucos dispositivos que vincula recursos à recomposição de APPs.

12. O Deputado Piau ressuscita a emenda 164 (de sua autoria na Câmara) que delega aos Estados a definição do que será consolidado em APP (supressão dos §§ 4º, 5º e 7º do art. 62) remetendo aos PRAs a regularização das propriedades e posses rurais. É o dispositivo da institucionalização da anistia. Sequer os 15 metros mínimos do Senado foram acatados pelo Dep. Piau.

13. O relatório do Piau exclui também os §§ 13 e 14 do artigo 62 que tratam da possibilidade de exigências superiores às constantes na Lei, nas bacias hidrográficas consideradas críticas e das propriedades localizadas em área alcançada pela criação de unidade de conservação de proteção integral. A supressão do §13 condena mais de 70% das bacias hidrográficas da Mata Atlântica que já tem mais de 85% de sua vegetação nativa desmatada.

14. No art. 64, o relator Piau consolida pecuária improdutiva em encostas, bordas de chapadas, topos de morros e áreas em altitude acima de 1800 metros. 15. Suprime o art. 78, que veda o acesso ao crédito rural aos proprietários de imóveis rurais não inscritos no CAR após 5 anos da publicação da Lei. Com isso elimina um dos dispositivos de pressão para o cadastramento ambiental rural dos móveis e para que os estados de fato regulamentem e implementem os cadastros em no máximo 5 anos. Retira a eficácia do CAR.

AUTOR: André Lima, advogado (OAB-DF 17878), mestre em gestão e política ambiental pela UnB, Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica, Consultor de Políticas Públicas do IPAM, Sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade e membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil-DF.
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Infelizmente, não era "Jogo de Cena" e a aberração jurídica foi aprovada, para desencanto de todo cidadão consciente, digno e honesto dessa Nação Brasileira.

Código florestal em roleta russa

Artigo do professor José Eli da Veiga * para o Valor Econômico

Há três motivos para que o jogo da roleta russa seja ótima metáfora para caracterizar a revogação do quase-cinquentão “Novo Código Florestal”: um precedente, o processo decisório, e, sobretudo, as consequências, que em grande parte sobrarão para os agricultores.

O precedente não deveria ser tão desconhecido. Há cinco anos os legisladores da Rússia ignoraram os pareceres científicos contrários ao relaxamento das regras de conservação que até então haviam garantido a proteção das florestas de seus imensos biomas. Lá como aqui, o presidencialismo de coalizão não deu bola para a séria advertência dos pesquisadores: reduzir a cobertura florestal iria perturbar o ciclo hidrológico, aumentando secas drásticas e a frequência de outros eventos climáticos extremos.

A imprudente nova lei foi promulgada sem vetos pelo presidente Vladimir Putin. Então, por incrível que pareça, bastaram cinco anos para que o país fosse assolado por inédita onda de incêndios, que tornou o ar de Moscou quase irrespirável, gerando pânico sobre a possibilidade de imenso incêndio metropolitano. Simultaneamente foram afetadas as colheitas, com perda de um quinto na de trigo.

Será catastrófico o indulto aos desmatamentos de APP de beira-rio em imóveis rurais de até 15 módulos.

Tão ou mais importante é registrar que não foram necessários mais do que esses cinco anos para que a mídia russa passasse a tratar de “profetas” os cientistas que haviam alertado para os riscos de retrocessos na preservação florestal. Narrativa mais detalhada sobre tão arrepiante presságio fecha o ótimo ensaio do jornalista Leão Serva para o livreto Análise, publicado em março pelo WWF-Brasil: “Congresso brasileiro vai anistiar redução de florestas em pleno século XXI?”

Em quanto tempo também serão consideradas proféticas as manifestações conjuntas da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sobre os temerários retrocessos aprovados pela Câmara em 24 de maio, e pelo Senado em 6 de dezembro? Quanto tempo será exigido para que se tornem profecias os conteúdos do livro “Código Florestal e a Ciência; Contribuições para o Diálogo” e de sua brochura complementar “O que nossos legisladores ainda precisam saber”?

Ou será que, para o bem de todos e felicidade geral da nação, essa sombra do exemplo russo poderia ajudar a presidente Dilma Rousseff a evitar erro tão grave e primário quanto o de Putin?

O segundo motivo para a metáfora da roleta russa está nos procedimentos do processo decisório que levará à revogação do Código. Com realce para o principal expediente anti-democrático que está sendo usado por representantes da especulação fundiária na Câmara contra seus pares, que ofende a opinião pública: só apresentar o relatório a ser votado às vésperas da decisão. Existirá algum outro parlamento que aceite ser constrangido a se pronunciar sobre matéria tão complexa sem que tenha havido tempo para cuidadoso exame do texto que será submetido à votação?

Foi exatamente o que ocorreu na Câmara em 24 de maio, quando muitos deputados votaram a favor de projeto que agora chamam de “monstrengo”. E não foi diferente no Senado em 6 de dezembro, quando um equivocado rolo compressor impediu que se desse a devida atenção a três preocupações básicas e de bom-senso: a) não consolidar invasões de áreas de preservação permanente (APP) por simulacros de pastagens; b) não passar por cima da Lei de Crimes Ambientais (9.605 de 12/02/1998), c) nem ignorar a Lei da Agricultura Familiar (11.326 de 24/07/2006).

Catastrófico agravante será a confirmação do furo da “Folha de S. Paulo” de sábado (14 de abril): o indulto aos desmatamentos de APP de beira-rio poderia abranger todos os imóveis rurais de até 15 módulos. Como eles ocupam cerca de metade da área total dos imóveis rurais, seriam uns 280 milhões de hectares, dos quais apenas 80 milhões estão com agricultores familiares.

O terceiro e mais dramático motivo para se evocar a roleta russa tem a ver com as consequências práticas da revogação do “Novo Código Florestal de 1965″ por lei cujo principal efeito será um amplo e irrestrito respaldo aos especuladores fundiários. Se o grosso dos produtores agrícolas está dando entusiástico apoio à demagogia de pretensas lideranças ruralistas é porque considera os fiscais do Ibama muito piores que satanás. Esses incautos agricultores estão supondo que a aprovação do novo monstrengo os livrará das dores de cabeça sobre o que fazer em APP, ou sobre o respeito à reserva legal (RL). Ledo engano. Se conhecessem o substitutivo do Senado, assim como algumas das emendas que serão propostas pelo misterioso relatório à Câmara, perceberiam que não haverá advogados suficientes para que tentem se defender de sanções por eventuais suspeitas de irregularidades.

Em suma: a incrível ironia da história é que os verdadeiros agricultores já deveriam estar torcendo para que seja bem arguida junto ao STF a inconstitucionalidade desse novo mostrengo que os deputados federais estão prestes a aprovar, mais uma vez de olhos vendados. Alguns de nariz tapado.

José Eli da Veiga: professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas - IPÊ

Carta aberta à Presidente Dilma Rousseff


Publicado em Política por João Carlos Figueiredo em 11 de fev de 2012 às 12:36

Assim que as eleições de 2010 encerraram sua apuração e Dilma Roussef foi declarada Presidente do Brasil, publiquei esse manifesto em meu blog bocaferina.com, tentando sensibilizá-la e a todos os brasileiros para que percebessem que um presidente não tem compromissos com as poderosas forças que o elegeram, mas tem, sim, um compromisso irrevogável com o POVO BRASILEIRO. Hoje, passados pouco mais de 12 meses, constatamos que o que mudou foi o autoritarismo de Dilma Rousseff, atrelada ao que existe de pior nas forças políticas brasileiras: a Bancada Ruralista, o PMDB e o Capitalismo que ela combateu na Ditadura.

Por isso, transcrevo aqui minha Carta Aberta como manifestação de protesto contra a corrupção, o poder ilícito e predatório e a arrogância desse mesmo Capitalismo que corrompeu até mesmo Fernando Henrique Cardoso, "O Príncipe" de Maquiavel, "O Déspota Esclarecido" de Thomas Hobbes.Publico-a novamente, neste dia de Luto Nacional em Defesa do Meio Ambiente.

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domingo, 31 de outubro de 2010

Carta aberta à Presidente Dilma Rousseff

Sra. Presidente Dilma Rousseff,

Falo como quem não votou em seu nome, e nunca votaria em José Serra. Fui defensor de Marina Silva como uma alternativa de governo que nunca foi tentada neste país, mas que deveria ser considerada por quem ama a terra em que nasceu e acredita no ser humano como uma criatura possível no concerto geral deste universo atribulado por tanta miséria e desgoverno.

Até hoje a humanidade sempre procurou alternativas para conceder o poder e as riquezas para poucos em detrimento da maioria. À senhora que, como eu, lutou contra a ditadura militar, mesmo sabendo que na relação de forças não tínhamos a menor possibilidade de vitória, e que, por idealismo e convicção, mesmo assim perseverou na defesa de seus ideais, peço-lhe apenas um minuto de sua atenção, antes que sucumba de vez nos labirintos do poder.

Nas barganhas dos cargos e dos Ministérios, guarde uma vaga para o bom-senso, e destine, pela primeira vez na história, a Agricultura para os pequenos agricultores, esses que representam mais de 95% de todos os trabalhadores rurais desse país imenso. Não entregue o poder para os ruralistas, esses que querem apenas se enriquecer, produzindo soja, gado e cana de açúcar para abastecer os celeiros do mundo, deixando a mesa dos pobres vazia.

Reserve o Meio Ambiente para quem luta por preservar as belezas desse planeta, suas águas e as florestas, seus animais e as paisagens para que nossos filhos, nossos netos, seus netos, tenham algo para se maravilhar e viver. Deixe um pouco do que resta para as futuras gerações e não para aqueles que ambicionam os domínios intermináveis dos latifúndios vazios.

Leve consigo, para as outras pastas, a Educação, a Saúde, os Transportes, Minas e Energia, pessoas que sonham com um mundo melhor e menos consumista, onde todos (todos mesmo) possam ter suas vidas dignas e não consumidas no desperdício e no desprezo pelos pobres.

Senhora Presidente, seja, antes de tudo, humilde; visite todos os rincões desse país e não apenas aqueles que lhe deram os votos da vitória, mesmo que sejam tão vazios e distantes que apenas os indígenas os estejam habitando. Veja com seus olhos a imensidão de nossas florestas, de nossos rios, a riqueza que eles guardam para um futuro que só acontecerá se alguém cuidar para que isso aconteça. E apenas a senhora poderá fazê-lo.

Não espere que as alianças espúrias que fez lhe garantam a tal "governabilidade". Tenha a coragem e a ousadia de decidir pelas gentes de nossa Nação, a despeito dos partidos políticos, cada vez mais corruptos, cada vez mais distantes dos nossos anseios populares.

Senão, para que terá valido sua luta revolucionária? Lembre-se de seu idealismo como estudante, que enfrentou as armas dos exércitos, os porões da ditadura, apenas para viabilizar um mundo melhor, mais solidário, mais justo e honesto. Traga de volta seus sonhos estudantis, ainda não contaminados pelas ambições políticas, e pense em seu povo, pois foi este quem a elegeu com seus milhões de votos! Rompa essas alianças estúpidas e acredite em seu poder.

Senhora Dilma Rousseff, não repita a hipocrisia do passado! Leve consigo poucas propostas, mas apenas as efetivas, importantes de fato, que possam modificar para sempre a fisionomia deste imenso país, de recursos (quase) inesgotáveis. Não deixe que eles se acabem!

Ainda existem pessoas do bem, preocupadas e solidárias, aquelas que votaram em Marina Silva apenas pelo que ela representou para todos nós, uma via diferente, não baseada no Capitalismo Selvagem em que vivemos, mas na busca de alternativas Sustentáveis, que possam preservar a Vida, a Beleza e a Permanência do Homem sobre a Terra.

Este é o meu pedido sincero, senhora Presidente!

Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/artefacto_artefoto/2012/02/carta-aberta-a-presidente-dilma-rousseff.html#ixzz1t9mOcZGq

O início do fim das florestas brasileiras


Fonte: Greenpeace
Notícia - 25 - abr - 2012

Hoje a Câmara dos Deputados mostrou o que quer: o fim das florestas no Brasil. Por 274 votos a 184, com duas abstenções, foi aprovada hoje a proposta que desfigura o Código Florestal.

Esta árvore solitária já foi parte de uma floresta. A foto foi realizada em fevereiro passado, próximo a Santarém (PA). (© Daniel Beltrá/Greenpeace)

Hoje a Câmara dos Deputados mostrou o que quer: o fim das florestas no Brasil. Por 274 votos a 184, com duas abstenções, foi aprovada hoje a proposta que desfigura o Código Florestal, escrita pelo deputado ruralista Paulo Piau (PMDB-MG) sobre o texto aprovado pelo Senado, segue agora para sanção da presidente, Dilma Rousseff. Se ela não se mexer, e vetar o texto, esse futuro será seu legado.

O texto aprovado dá anistia total e irrestrita a quem desmatou demais – mesmo aqueles que deveriam e têm capacidade de recuperar matas ao longo de rios, por exemplo – e ainda dá brecha para que mais desmatamentos ocorram no país. Ele é resultado de um processo que alijou a sociedade, e vai contra o que o próprio governo desejava. Com isso, avanços ambientais conquistados ao longo de décadas foram por água abaixo.

“Acabamos de assistir ao sequestro do Congresso pelos ruralistas. Pateticamente, a presidenta que tinha a maior base de apoio parlamentar na história recente deste país, foi derrotada por 274 votos de uma malta de ruralistas que se infiltrou e contaminou o tecido democrático brasileiro como um câncer”, diz Paulo Adario, diretor da campanha da Amazônia do Greenpeace. “Desde o início do processo, o Brasil esteve refém dos interesses do setor, que fez de tudo para incorporar suas demandas ao projeto de lei. A população, que se mostrou contrária à anistia aos desmatadores e a brechas que permitem mais devastação, foi o tempo inteiro ignorada”.

Há mais de uma década os ruralistas tentam acabar com o Código Florestal. Finalmente conseguiram uma brecha, alimentada pela indiferença de um governo que não dá a mínima para o ambiente e a saúde da população. O resultado é um texto escrito por e para ruralistas, que transforma a lei ambiental em uma lei de ocupação da terra.

“Enquanto o Congresso demonstra claramente que se divorciou de vez da opinião pública que deveria representar – e que em sua imensa maioria se opõe ao texto do código ruralista – resta à Dilma uma única alternativa. Ela tem de demonstrar aos brasileiros que está à altura do cargo que ocupa – e que ganhou ao prometer aos eleitores que não iria permitir anistia a criminosos ambientais nem novos desmatamentos”, afirma Adario. “Caso contrário, o governo vai dar provas de que é subjugado pelos ruralistas, ao sofrer mais essa derrota.”

Os brasileiros têm uma oportunidade de mostrar que não querem ver a motosserra roncar. A melhor resposta a essa reforma do Código Florestal é assinar o projeto de lei popular pelo desmatamento zero, que o Greenpeace e outras organizações encampam. Basta entrar em www.ligadasflorestas.org.br e participar.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Do Código Florestal para o Código da Biodiversidade


Exposição de Aziz Ab'Saber no Fórum Agenda21
Em face do gigantismo do território e da situação real em que se encontram os seus macro biomas – Amazônia Brasileira, Brasil Tropical Atlântico, Cerrados do Brasil Central, Planalto das Araucárias, e Pradarias Mistas do Brasil Subtropical – e de seus numerosos mini-biomas, faixas de transição e relictos de ecossistemas, qualquer tentativa de mudança no “Código Florestal” tem que ser conduzido por pessoas competentes e bio-eticamente sensíveis.


Pressionar por uma liberação ampla dos processos de desmatamento significa desconhecer a progressividade de cenários bióticos, a diferentes espaços de tempo futuro, favorecendo de modo simplório e ignorante os desejos patrimoniais de classes sociais que só pensam em seus interesses pessoais, no contexto de um país dotado de grandes desigualdades sociais. Cidadãos de classe social privilegiada, que nada entendem de previsão de impactos. Não tem qualquer ética com a natureza. Não buscam encontrar modelos técnico-cientificos adequados para a recuperação de áreas degradadas, seja na Amazônia, , seja no Brasil Tropical Atlântico, ou alhures. Pessoas para as quais exigir a adoção de atividades agrárias “ecologicamente auto-sustentadas” é uma mania de cientistas irrealistas.

Por muitas razoes, se houvesse um movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico vegetacional de nosso território. Remetemos essa idéia para Brasília, e recebemos em resposta que essa era uma idéia boa mas complexa e inoportuna (...). Entrementes, agora outras personalidades trabalham por mudanças estapafúrdias e arrasadoras no chamado Código Florestal. Razão pela qual ousamos criticar aqueles que insistem em argumentos genéricos e perigosos para o futuro do país. Sendo necessário, mais do que nunca, evitar que gente de outras terras sobretudo de países hegemônicos venha a dizer que fica comprovado que o Brasil não tem competência para dirigir a Amazônia (...). Ou seja, os revisores do atual Código Florestal não teriam competência para dirigir o seu todo territorial do Brasil. Que tristeza, gente minha.

O primeiro grande erro dos que no momento lideram a revisão do Código Florestal brasileiro – a favor de classes sociais privilegiadas – diz respeito à chamada estadualização dos fatos ecológicos de seu território especifico. Sem lembrar que as delicadíssimas questões referentes à progressividade do desmatamento exigem ações conjuntas dos órgãos federais específicos, em conjunto com órgãos estaduais similares, uma Policia Federal rural, e o Exercito Brasileiro. Tudo conectado ainda com autoridades municipais, que tem muito a aprender com um Código novo que envolve todos os macro-biomas do pais, e os mini-biomas que os pontilham, com especial atenção para as faixas litorâneas, faixas de contato entre as áreas nucleares de cada domínio morfoclimatico e fitogeográfico do território. Para pessoas inteligentes, capazes de prever impactos, a diferentes tempos do futuro, fica claro que ao invés da “estadualização”, é absolutamente necessário focar para o zoneamento físico e ecológico de todos os domínios de natureza dos pais. A saber, as duas principais faixas de Florestas Tropicais Brasileiras: a zonal amazônica e a azonal das matas atlânticas o domínio dos cerrados, cerradoes e campestres: a complexa região semi-árida dos sertões nordestinos: os planaltos de araucárias e as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, alem de nosso litoral e o Pantanal Mato-grossense.

Seria preciso lembrar ao "honrado" relator Aldo Rebelo, que a meu ver é bastante neófito em matéria de questões ecológicas, espaciais e em futurologia – que atualmente na Amazônia Brasileira predomina um verdadeiro exercito paralelo de fazendeiros que em sua área de atuação tem mais força do que governadores e prefeitos. O que se viu em Marabá, com a passagem das tropas de fazendeiros, passando pela Avenida da Transamazônica, deveria ser conhecido pelos congressistas de Brasília, e diferentes membros do executivo. De cada uma das fazendas regionais passava um grupo de cinqüenta a sessenta camaradas, tendo a frente em cavalos nobres, o dono da fazenda e sua esposa, e os filhos em cavalos lindos. E,os grupos iam passando separados entre si, por alguns minutos. E , alguém a pé, como se fosse um comandante, controlava a passagem da cavalgada dos fazendeiros. Ninguém da boa e importante cidade de Marabá saiu para observar a coluna amedrontadora dos fazendeiros. Somente dois bicicletistas meninos, deixaram as bicicletas na beira da calçada olhando silentes a passagem das tropas. Nenhum jornal do Pará, ou alhures, noticiou a ocorrência amedrontadora. Alguns de nós não pudemos atravessar a ponte para participar de um evento cultural.

Será certamente, apoiados por fatos como esse, que alguns proprietários de terras amazônicas deram sua mensagem, nos termos de que “a propriedade é minha e eu faço com ela o que eu quiser, como quiser e quando quiser”. Mas ninguém esclarece como conquistaram seus imensos espaços inicialmente florestados. Sendo que, alguns outros, vivendo em diferentes áreas do cetro-sul brasileiro, quando perguntados sobre como enriqueceram tanto, esclarecem que foi com os “seus negócios na Amazônia” (...). Ou sejam, através de loteamentos ilegais, venda de glebas para incautos em locais de difícil acesso, os quais ao fim de um certo tempo, são libertados para madeireiros contumazes. E o fato mais infeliz é que ninguém procura novos conhecimentos para re-utilizar terras degradadas. Ou exigir dos governantes tecnologias adequadas para revitalizar os solos que perderam nutrientes e argilas, tornando-se dominadas por areias finas (siltizaçao).

Entre os muitos aspectos caóticos, derivados de alguns argumentos dos revisores do Código, destaca-se a frase que diz que se deve proteger a vegetação até sete metros e meio do rio. Uma redução de um fato que por si já estava muito errado, porém agora esta reduzido genericamente a quase nada em relação aos grandes rios do pais. Imagine-se que para o rio Amazonas, a exigência protetora fosse apenas sete metros, enquanto para a grande maioria dos ribeirões e córregos também fosse aplicada a mesma exigência. Trata-se de desconhecimento entristecedor sobre a ordem de grandeza das redes hidrográficas do território intertropical brasileiro. Na linguagem amazônica tradicional, o próprio povo já reconheceu fatos referentes à tipologia dos rios regionais. Para eles, ali existem, em ordem crescente: igarapés, riozinhos, rios e parás. Uma última divisão lógica e pragmática, que é aceita por todos os que conhecem a realidade da rede fluvial amazônica.

Por desconhecer tais fatos os relatores da revisão aplicam o espaço de sete metros da beira de todos os cursos d’água fluviais sem mesmo ter ido lá para conhecer o fantástico mosaico de rios do território regional.

Mas o pior é que as novas exigências do Código Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva. Fala-se em sete metros e meio das florestas beiradeiras (ripario-biomas)  e, depois, em preservação da vegetação de eventuais e distantes cimeiras, não podendo imaginar quanto espaço fica liberado para qualquer tipo de ocupação do espaço. Lamentável em termos de planejamento regional, de espaços rurais e silvestres. Lamentável em termos de generalizações forçadas por grupos de interesse (ruralistas) .

Já se poderia prever que um dia os interessados em terras amazônicas iriam pressionar de novo pela modificação do percentual a ser preservado em cada uma das propriedades de terras na Amazônia. O argumento simplista merece uma critica decisiva e radical. Para eles, se em regiões do centro-sul brasileiro a taxa de proteção interna da vegetação florestal é de 20%, porque na Amazônia a lei exige 80%? Mas ninguém tem a coragem de analisar o que aconteceu nos espaços ecológicos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, e Minas Gerais com o percentual de 20%. Nos planaltos interiores de São Paulo a somatória dos desmatamentos atingiu cenários de generalizada derruição. Nessas importantes áreas, dominadas por florestas e redutos de cerrados e campestres, somente o tombamento integrado da Serra do Mar, envolvendo as matas atlânticas, os solos e as aguadas da notável escarpa, foi capaz de resguardar os ecossistemas orográficos da acidentada região. O restante, nos “mares de morros”, colinas e várzeas do Médio Paraíba e do Planalto Paulistano, e pró-parte da Serra da Mantiqueira, sofreram uma derruição deplorável. É o que alguém no Brasil – falando de gente inteligente e bioética – não quer que se repita na Amazônia Brasileira, em um espaço de 4.200.000 km².

Os relatores do Código Florestal, falam que as áreas muito desmatadas e degradadas poderiam ficar sujeitas a “(re) florestamento” por espécies homogêneas pensando em eucalipto e pinus. Uma prova de sua grande ignorância, pois não sabem a menor diferença entre reflorestamento e florestramento. Esse último, pretendido por eles, é um fato exclusivamente de interesse econômico empresarial, que infelizmente não pretende preservar biodiversidades. Sendo que eles procuram desconhecer que para áreas muito degradadas, foi feito um plano de (re) organização dos espaços remanescentes, sob o enfoque de revigorar a economia de pequenos e médios proprietários: Projeto FLORAM. Os eucaliptologos perdem éticos quando alugam espaços por trinta anos, de incautos proprietários, preferindo áreas dotadas ainda de solos tropicais férteis, do tipo dos oxissolos, e evitando as áreas degradadas de morros pelados reduzidas a trilhas de pisoteio, hipsométricas, semelhantes ao protótipo existente no Planalto do Alto Paraíba, em São Paulo. Ao arrendar terras de bisonhos proprietários, para uso em 30 anos, e sabendo que os donos da terra podem morrer quando se completar o prazo, fato que cria um grande problema judicial para os herdeiros, sendo que, ao fim de uma negociação, as empresas cortam todas as árvores de eucaliptos ou pinos, deixando miríades de troncos no chão do espaço terrestre. Um cenário que impede a posterior reutilização das terras para atividades agrárias. Tudo isso deveria ser conhecido por aqueles que defendem ferozmente um Código Florestal liberalizante.

Por todas as razões somos obrigados a criticar a persistente e repetitiva argumentação do deputado Aldo Rebelo,que conhecemos ha muito tempo, e de quem sempre esperávamos o melhor, no momento somos obrigados a lembrar a ele que cada um de nós tem que pensar na sua biografia e , sendo político, tem que honrar a historia de seus partidos. Mormente,em relação aos partidos que se dizem de esquerda e jamais poderiam fazer projetos totalmente dirigidos para os interesses pessoais de latifundiários.
Insistimos que em qualquer revisão do Código Florestal vigente, deve-se enfocar as diretrizes através das grandes regiões naturais do Brasil, sobretudo domínios de natureza muito diferentes entre si, tais como a Amazônia, e suas extensíssimas florestas tropicais, e o Nordeste Seco, com seus diferentes tipos de caatingas. Tratam-se de duas regiões opósitas em relação à fisionomia e à ecologia, assim como em face das suas condições socioambientais. Ao tomar partido pelos grandes domínios administrados técnica e cientificamente por órgãos do executivo federal, teríamos que conectar instituições específicas do governo brasileiro com instituições estaduais similares. Existem regiões como a Amazônia que envolve conexões com nove estados do Norte Brasileiro. Em relação ao Brasil Tropical Atlântico os órgãos do Governo Federal – IBAMA, IPHAN, FUNAI e INCRA – teriam que manter conexões com os diversos setores similares dos governos estaduais de norte a sul do Brasil. E assim por diante. 

Enquanto o mundo inteiro repugna para a diminuição radical de emissão de CO2, o projeto de reforma proposto na Câmara Federal de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico, fato observado por muitos críticos em diversos trabalhos e entrevistas.


Parece ser muito difícil para pessoas não iniciadas em cenários cartográficos perceber os efeitos de um desmatamento na Amazônia de até 80% das propriedades rurais silvestres. Em qualquer espaço do território amazônico, que vem sendo estabelecidas glebas com desmate de até 80%,haverá um mosaico caótico de áreas desmatadas e faixas inter-propriedades estreitas e mal preservadas. Nesse caso, as bordas dos restos de florestas, inter-glebas ficarao à mercê de corte de arvores dotadas de madeiras nobres. E além disso, a biodiversidade animal certamente será profundamente afetada.

Seria necessário que os pretensos reformuladores do Código Florestal lançassem sobre o papel os limites de glebas de 500 a milhares de quilômetros quadrados, e dentro de cada parcela das glebas colocasse indicações de 20% correspondente às florestas ditas preservadas. E, observando o resultado desse mapeamento simulado, poderiam perceber que o caminho da devastação lenta e progressiva iria criar alguns quadros de devastação similares ao que já aconteceu nos confins das longas estradas e seus ramais, em áreas de quarteirões implantados para venda de lotes de 50 a 100 hectares, onde o arrasamento de florestas no interior de cada quarteirão foi total e inconseqüente.

Aziz Nacib Ab’Sáber
São Paulo, 16 de junho de 2010

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Boca Ferina: A sujeira está feita: aprovaram o estupro do Códig...

Pois é... como era esperado, o Senado aprovou, por ampla maioria, o estupro de nossa principal legislação de proteção ambiental, ignorando a voz do povo que os escolheu! Lembrem-se disso na hora de votar: não existem representantes populares em nossa casa legislativa, o que confirma o que tenho dito à exaustão sobre as mentiras do "regime democrático"! Eles, os parlamentares, escutam o tilintar forte das moedas caindo dentro de seus bolsos, encantam-se com o canto das sereias da corrupção e dos interesses menores da Nação! Esquecem-se que sua existência como seres políticos só se justifica pelo respeito aos valores éticos e morais da sociedade, e pelo atendimento às expectativas de seu eleitorado e do povo brasileiro.

Agora não há esperanças, pois a ministra do "Meio Ambiente" e a própria presidente Dilma já demonstraram sua adesão às teses desenvolvimentistas (a qualquer preço), quando apoiaram a construção de grandes hidrelétricas na região amazônica. Todos os abaixo-assinados, rubricados por milhões de brasileiros, de nada adiantaram; pisaram na Constituição e jogaram-na no lixo da História, quando admitiram atender ao interesse de poucos em detrimento dos anseios de nossa Nação. Já não havia nenhuma esperança desde que o resultado da última eleição majoritária foi declarado, dando a vitória para Dilma Rousseff, ex-ministra da poderosa pasta da Casa Civil e eminência parda do governo Lula, que também rompeu com seus "companheiros" de luta democrática e aderiu ao jogo fácil do poder econômico.

Mas o que há de errado neste novo código florestal? O que de tão importante foi perdido? Não é difícil explicar; basta ouvir a ladainha dos próprios defensores dessa aberração legal, que se compreenderá o alcance dos estragos que virão por aí. Em primeiro lugar, foi uma decisão política sobre um tema técnico e científico, que é a proteção de nossa biodiversidade. De todas as manifestações contrárias às mudanças propostas e, agora, aprovadas, as que se destacam são aquelas de nossa comunidade científica, seja através das instituições que representam, seja pelo peso de seus nomes no trato com o meio ambiente. Embora o Código Florestal tenha sido concebido no fim do Estado Novo da ditadura Vargas, ele continha os principais reclames dos especialistas em florestas, em biodiversidade e em hidrologia da época. As especificações técnicas, como a largura da faixa de matas ciliares em conformidade com a largura dos rios, ou a preservação de mananciais hídricos, e a definição de conceitos sobre áreas de preservação permanente continuam, todas elas atualíssimas.

Além da questão técnico-científica, existe a questão ética do perdão das dívidas pelos crimes ambientais cometidos tanto pelos latifundiários (e que causam muito maior dano ambiental, com certeza), quanto pelos pequenos agricultores. Eles não só foram isentos das penalidades como também deixarão de recompor a mata destruída, pois seus limites se tornaram muito mais tolerantes com os criminosos e intransigentes com a Natureza.As faixas de matas ciliares foram reduzidas em até 80%... sim, pasmem, as novas faixas de proteção aos rios, córregos e lagos caiu de 500 metros, o que não é nada para os proprietários de terras, para 100 metros, o que nada significa para a Natureza. As áreas de encostas de morros e de seus cumes também foram liberadas para as pastagens e plantio de soja.

A região amazônica certamente foi a mais prejudicada, pois até mesmo o que ainda não foi desmatado ficou à mercê dos criminosos agora legalizados por um golpe do poder ruralista. Dentro de poucos anos, o que restará das maiores florestas tropicais do planeta serão apenas restos de matas, traços de vida selvagem e um clima definitivamente comprometido com a devastação que virá. Se em menos de 50 anos metade do Cerrado Brasileiro foi completamente destruído pelo agronegócio, agora que a lei permite o que se fará? E ainda darão boas gargalhadas ao menosprezar os ambientalistas que lutaram essa batalha inglória, e nos chamarão de idiotas e ingênuos diante de tamanho poder concentrado nas mãos de tão poucos.

Essa "Vitória de Pirro" ( vitória de Pirro é uma expressão utilizada para expressar uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis) ainda repercutirá em todo o mundo civilizado, que olha com preocupação o avanço dos tratores e das motosserras sobre o que resta de nosso ambiente original. A Floresta Amazônica tem um papel fundamental na manutenção do equilíbrio hídrico e climático do planeta; sua destruição representará o passo final para o precipício, a gota d´água a se derramar sobre o copo cheio da devastação planetária; essa floresta contém o maior complexo hídrico da Terra e seu equilíbrio é frágil e instável, pois a maior parte de sua vegetação sobrevive apenas em função da complexa cadeia de rios e igarapés, e dos próprios resíduos orgânicos que se decompõem em seu "solo arável". Eliminando-se essa camada, seja pelo arrasto dos tratores, seja pela sua exposição direta à luz solar, e terá sido dado o passo final para o fim da Floresta.

Aprovar esse projeto indecente de revisão da lei maior das florestas brasileiras terá sido a pá de cal nas esperanças dos ambientalistas. Certamente Dilma não vetará essas mudanças, pois é dela também o projeto de construção de Belo Monte e de tantas outras hidrelétricas no coração do Amazonas. Como a maioria silenciosa da população sempre foi a massa de manobra para esses golpes sujos do Congresso Nacional, e como essa mesma população escolhe seus representantes, reservo-me o direito de afirmar que temos os políticos que merecemos, e as leis que evidenciam a consciência do Povo Brasileiro, tão enaltecida nas palavras do antropólogo Darci Ribeiro. Aceitemos, pois, essa derrota lamentável...

domingo, 19 de junho de 2011

Entrevista para a Revista "CONTERRÂNEOS"

De onde partiu seu interesse de trabalhar como militante do meio ambiente e quando você iniciou os trabalhos?
Meu interesse pelas questões ambientais vem de longa data; meu pai, desde minha infância, me ensinou a respeitar e cuidar do meio ambiente; vivíamos em uma pequena cidade do interior de São Paulo, próximo ao rio Paraná que, naquela época, ainda não sofria os impactos das intervenções humanas. Porém, efetivamente comecei a atuar como ativista ambiental quando passei a me dedicar a esportes da Natureza, há mais de uma década. Primeiro, visitações a Parques Nacionais e Estaduais, com minhas filhas; depois, fizemos treinamentos de mergulho equipado (SCUBA) e hoje sou dive master e instrutor assistente de mergulho, com mais de 100 mergulhos logados na costa sul e sudeste do Brasil; em seguida, fiz treinamentos em montanhismo pelo Clube Alpino Paulista, tendo realizado diversas expedições pelas montanhas da Serra do Mar e da Mantiqueira; isso também me levou à escalada em rocha, sendo qualificado por um dos mais experientes escaladores do país, Eliseu Frechou; finalmente, surgiu a oportunidade de fazer uma expedição de treinamento pela ONG Outward Bound Brasil, na Chapada Diamantina, que me capacitou a realizar expedições autônomas. Hoje sou indigenista, moro na Amazônia, e me dedico à proteção das populações indígenas do Rio Negro, onde vivem cerca de 40.000 índios.

Como nasceu seu fascínio pelo rio São Francisco e de onde surgiu a ideia de viajar pelo rio?
O rio São Francisco sempre povoou os sonhos de meu imaginário, seja pelas suas lendas, seja pelas canções nordestinas que enaltecem suas belezas, seja pelos documentários que assisti a respeito de seus povos ribeirinhos e sua cultura regional. No final de 2008 decidi realizar uma expedição solo, autônoma e independente e escolhi a canoagem e o Rio São Francisco. Queria conhecer de perto essas histórias e descobrir, por minha conta, as belezas naturais e o encanto dessas águas que abrigam uma população de mais de 15 milhões de seres humanos, das mais diversas origens e etnias. Só no rio encontraria as respostas.

Porque a preferência por fazer a aventura de forma solitária em uma canoa a remo?
A canoagem a remo é um esporte que nasceu em minha juventude, por estímulo de meu pai, que era remador em sua juventude, e me levou a remar pequenos barcos (“catraias”) no rio Pardo, SP, onde conversávamos horas a fio a respeito de nossas vidas. Lá aprendi com ele as noções de ética, dignidade, respeito e humildade. Percebi, então, que a canoagem, além de ser um excelente esporte, também nos levava à reflexão. Sempre fui muito solitário, desde minha infância, e credito a isso minha paixão pelos livros e minha busca pelo autoconhecimento. Daí, a decisão pela canoa a remo foi uma consequência imediata.

O que você esperava conquistar com a aventura?
Na verdade, quando concebi a expedição, pensava na aventura de viajar sozinho durante meses, dependendo apenas de meus recursos e de minhas decisões, para percorrer os 2700 km desse rio. Queria conhecer, fotografar, conversar com as pessoas, ouvir suas estórias, falar sobre preservação ambiental e defender o Rio São Francisco que estava moribundo. Depois, ao longo do rio, minha percepção foi se modificando e percebi o imenso universo que se escondia nas margens desse rio e de seus afluentes. A primeira etapa foi de muito esforço físico, muitas exigências com relação às adversidades de um rio que desce a montanha através de inúmeras corredeiras, agravadas pelo frio do inverno. Em Três Marias decidi parar, reavaliar meus objetivos e buscar patrocínios, que meus recursos rapidamente se acabavam. Fiquei três meses tentando, sem êxito, obter apoio. Decidi, então, voltar ao Rio e completar minha viagem. Percebi que as motivações eram muito maiores e as questões muito mais complexas do que simplesmente vencer os desafios da Natureza e registrar essas realidades. Precisava me confundir com elas, vivê-las integralmente, oferecendo-me aos ribeirinhos para compreender seus dramas e tentar, de alguma forma, ajudá-los a superar suas imensas dificuldades. O restante da viagem foi uma verdadeira aventura de lutas contra a opressão que sofrem os quilombolas e indígenas, sem deixar de observar o lado belo e onírico desse rio fantástico e completamente brasileiro.

Porque você decidiu registrá-la em um blog?
Por que precisava me comunicar com as pessoas e percebi que o blog era o meio mais eficiente e cronológico de fazê-lo. Desde os primeiros momentos de planejamento da expedição registrei minhas impressões no blog. Meu compromisso era de não seguir uma linha editorial, mas deixar que os pensamentos, as reflexões e as manifestações de meu ser fossem registradas sem censura, apenas comprometidas com a realidade que passou a ser minha vida, durante um ano. O blog foi fundamental para o sucesso da expedição.

Como foi a receptividade do blog?
O blog foi um sucesso absoluto! Já tive mais de 30.000 visitantes. Mesmo hoje, tendo deixado de escrever, ainda tenho centenas de visitas por mês. Em 2009 ganhei o primeiro prêmio Top Blog na categoria SUSTENTABILIDADE pelo Juri Popular. Recebi centenas de manifestações escritas, seja por e-mail, seja em comentários nas publicações que fazia.

Quais foram as principais impressões que você extraiu dessa jornada e as cidades que mais chamaram sua atenção?
As impressões são muitas, desde a perplexidade diante da devastação da Natureza ao longo de seu curso, o descaso das autoridades, a paixão pelos ribeirinhos, minha identificação com a causa dos quilombolas, indígenas e assentados, o êxtase pela beleza incomparável das cenas que o rio proporciona em toda sua extensão, a tristeza de não poder fazer mais por ele. Conheci pessoas fantásticas, que me mostraram que o rio ainda é desconhecido dos brasileiros; percebi de perto sua arte única, passei por situações extremas e fui feliz. As cidades que mais marcaram minha expedição foram Iguatama, minha primeira parada, Três Marias, ponto de inflexão na jornada, Pirapora, São Romão, Itacarambi, Malhada, Bom Jesus da Lapa, Paratinga, Barra, Xique-Xique, Petrolina, Santa Maria da Boa Vista, Cabrobó, Paulo Afonso, Piranhas e Piaçabuçu, todas com muito envolvimento meu.

Você manteve contato com os moradores das regiões visitadas? Você acredita que eles já possuem uma conscientização política sobre a importância da preservação do meio ambiente?
Sim, mantive contatos com o povo e, a partir de Três Marias eu passei a entrar em mais cidades, falar com as pessoas, visitar quilombos, acampamentos de sem-terra, assentamentos, discuti com os movimentos populares e abracei suas causas, conheci lideranças e vivi seus dramas. No entanto, não creio que as populações do Rio São Francisco tenham plena consciência da situação do Meio Ambiente, pois cada região sabe de si mesma, não conhece o que está antes de si e não sabe do que vem depois; não tem a percepção de que até pequenas ações predadoras podem levar à extinção da fauna, da flora e do próprio sistema hídrico. Muitos pequenos afluentes já desapareceram e mesmo os grandes rios perdem água ano após ano. As administrações públicas pouco fazem para conscientizar suas populações de seu compromisso com o meio ambiente, o esgoto é jogado displicentemente no rio e em seus afluentes, as matas ciliares estão muito destruídas, e em alguns locais já desapareceram completamente, causando a queda de barrancos, o alargamento do rio e seu assoreamento. Já não podemos dizer que seja um rio navegável, pois as represas impedem sua travessia; apenas Sobradinho possui uma eclusa, mas poucos barcos se aventuram a cruzar suas águas. Ninguém se dá conta de que o rio foi fragmentado pelas barragens e isso afetou definitivamente o ciclo da vida em suas águas. Para que o rio sobreviva, seria necessário engajar sua população em campanhas de conscientização; fortes investimentos deveriam resgatar os afluentes e proteger as matas ciliares. Temo pela morte do rio, até porque, a nova versão do Código Florestal já não mais protege as áreas de preservação permanente, como são as margens do rio. O São Francisco chega a ter mais de um quilômetro de largura em seu leito natural e cerca de 3 km na sua foz; dentro de Sobradinho chega a 35 km de largura; no entanto, as matas ciliares, na maior parte de seu percurso, não passam de uns poucos metros, violentando a legislação, impunemente. Eu creio que uma nova geração de pessoas comprometidas com o Meio Ambiente poderia reverter esse quadro de desolação; mas seria preciso investir fortemente na educação ambiental, desde a pré-escola, em todas as escolas do país para, quem sabe um dia, se possa entender a imensidão de nossos paraísos ambientais, seja no rio São Francisco, seja na Amazônia, na Mata Atlântica, nos Cerrados e Caatingas. Infelizmente, ainda existem milhões de brasileiros que acreditam que os Cerrados devam ser destruídos para dar lugar às plantações de soja, cana-de-açúcar, e à criação de gado. Eles se esquecem que todo mundo precisa de ar e de água, e que, sem as riquezas naturais, esses recursos naturais chegarão, inexoravelmente, à extinção, que será, certamente, o desparecimento do próprio Homem na Terra. O Ser Humano é egoísta e mesquinho, e só pensa em seu bem-estar. Nem concebe que seus filhos, seus netos, seus descendentes serão privados de conviver com a imensidão de belezas que se escondem por detrás das matas, das montanhas, sob o mar...

Entrevista publicada no número 32 da Revista "CONTERRÂNEOS" do Banco do Nordeste do Brasil (BNB)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Minha Canoa está de volta!


Não posso deixar essa data passar em branco: meu amigo CLOSÉ LIMONGI, Jornalista e Mineiro, duas qualidades insuperáveis, conseguiu buscar minha canoa "ULYSSES" em Aracaju e levá-la para Belo Horizonte, onde ficará até que não a queiram mais! Closé, meu caro amigo, muito obrigado!

É um sentimento estranho, que me reconduz ao meu Velho Chico, trazendo-me à memória os longos e inesquecíveis dias que compartilhei em sua companhia única... Velho Chico, uma vida que se desenrolou por 99 dias, 99 tardes, 99 pores-do-sol incríveis, 99 noites de solidão, meditação e sonhos, alguns impossíveis, outros que me motivaram a seguir em frente...

Meu Velho, meu Chico... um dia, quando o tempo me levar dessa vida, minhas cinzas repousarão em seu leito estremecido pelos maus-tratos, pelo descaso de tantos, e pelo amor de alguns abnegados que louvaram suas belezas, suas histórias, suas lendas...

Que minha velha canoa seja bem tratada e desperte em alguns a paixão que me conduziu pelos seus caminhos infinitos... quem sabe, em breve, eu possa revê-la e derramar a lágrima derradeira, aquela que restou das tristezas que presenciei pelos seus caminhos, Velho Chico...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Arte e Inspiração

Perdi a minha Arte... já disse, um dia, em um poema, que "Arte é Inspiração". Pelo menos, assim penso que seja quando se trata de poesia. A poesia não depende do talento; ela brota de dentro do ser e irrompe avassaladoramente, obrigando o poeta a manifestá-la perante o mundo, ainda que contra a sua vontade! Foi assim comigo; durante dois anos esse fluxo de mensagens fluía naturalmente, sem que eu precisasse sequer retocar o que escrevia com tanta facilidade.

Se minha arte era rica, não importa. Sei que tinha seu valor e expressava meus pensamentos de forma clara, concisa e lírica como eu nunca mais o faria, pois essa erupção poética se extinguiu assim como chegou. Não lamento, pois creio ter dito tudo o que desejava nesses poucos meses em que fui visitado pela Poesia.

Meus textos são duros, difíceis de encontrar adeptos porque eu falo aquilo que todos se recusam a admitir: que o mundo dos homens não é belo, que a brutalidade das relações se esconde sob as máscaras de cada um, enquanto nossos pensamentos refletem nossa verdadeira personalidade, que ocultamos até de nós mesmos.

Escrevi por mais dois anos sobre o rio... não um rio qualquer, mas o Meu Velho Chico, companheiro de viagem, confidente e amigo, que me acolheu por tanto e longo tempo, compreendendo minhas razões e expondo seu sofrimento devido à ação cruel dos homens. O Velho Chico está lá, percorrendo incessantemente os mesmos caminhos, definhando amarguradamente enquanto dilaceram sua artérias, inexoravelmente...

Eu, por meu turno, segui outros caminhos, não para enriquecer-me de belezas, mas para sentir a dor ainda maior de conviver com inimigos, percebê-los tramando contra mim, que continuo passivo, apenas aguardando o fim que se aproxima. Não da vida, que dela nada sei; nem da morte, que essa seria definitiva e expiaria todo sofrimento... mas da existência por si mesma, aquela dádiva não desejada, concedida ao nascer e confiscada em cada instante do viver. Para ela não há salvação possível, apenas esperar.

No entanto, esses caminhos cruéis que tomei para mim não têm compensações, como aquele por-do-sol que está no ocaso de cada novo dia. Apenas mágoas e revoltas inúteis, pois sou eu quem está na trilha errada; todos os demais encontram-se em seu ambiente natural, e nem percebem que ele é escuro, perverso, sem vida, sem cores, sem sonhos...

Cá estou, no âmago do monstro que me devora vivo, arrastando-me pelas estradas que levam ao meu destino final: a expiação de meu pecado original de pensar em um mundo melhor, justo, digno, ético, igualitário e feliz. Não devemos sonhar: é proibido, perigoso e inútil!

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